JC Protestos sem fim
Gilberto Sant´Anna
Os recentes protestos e contraprotestos na Avenida Paulista e em diversos chãos da pátria, constituem movimentos típicos da vida em sociedade. Mas, as reações diferem das heroicas resistências. Os cristãos resistiram contra o regime escravista romano. O tirania do regime Feudal provocou resistências populares. O confronto com o individualismo da Revolução Francesa de 1789 alimentou a luta por melhores condições de trabalho.
Ao tempo da independência política do Brasil, proclamada por Dom Pedro I, vozes paulistas discordantes exigiam o retorno do Brasil à condição de simples colônia de Portugal. Reagiram à mudança.
O advento da produção industrial buscou mão de obra não escrava em todas as partes do mundo. No bojo, os politizados anarquistas, cujos protestos sacudiram São Paulo no início do século 20. Resistiram às pretensões do capital. A repressão ocorreu sangrenta.
A Revolução de 30, promovida pelos tenentes contra a corrupção entranhada na República Velha, levou Getúlio Vargas ao poder. O novo governo modernizou a economia e fez valer as leis obreiras, como prometido. São Paulo reagiu e protestou contra as mudanças. A luta pelo retorno da política do “café com leite” atingiu o ápice com o levante autodenominado Revolução de 1932.
A deposição do presidente João Goulart, o Jango, não foi diferente. São Paulo liderou a reação contra as Reformas de Base e as elites participaram e financiaram o golpe civil-militar de 1964, a pretexto de combater a corrupção e a subversão.
A História não descansa, posto em eterno movimento e transformação. Em 1970 desponta uma nova crise econômica mundial. A primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher e o presidente norte-americano Ronald Reagan, decretaram o neoliberalismo e a globalização. Era o sinal verde para os grandes capitais se apropriarem dos bens e riquezas do planeta: petróleo, gás, água, minerais e grandes áreas cultiváveis. De quebra a permissão para invadir militarmente os países “rebeldes”.
Uma bolsa de bilhões de dólares salvou as empresas e os Bancos das bolhas do mercado. Cresceu o Produto Interno Bruto e o consumo. A economia saiu do vermelho. Destruiu-se o planeta Terra. A renda e riqueza concentraram-se no bolso de poucos.
Os investimentos estatais, sem nenhum pudor, abandonaram o ser humano. O salário e as aposentadorias minguaram. A austeridade tornou-se norma. Impôs-se a privatização das instituições e dos serviços públicos. O povo danou-se.
Os povos dos países neoliberais protestaram nas ruas. A resistência substituiu os governos de direita pelos de esquerda. Reverteram. Provocaram a ascensão da extrema-direita neofascista. Na França, por exemplo, elegeram Nicolas Sarkozy de direita, depois François Hollande, dito de esquerda, e agora namoram com a ultraconservadora família Le Pen.
Em raros países a resistência venceu a política neoliberal, como no caso da Grécia e Islândia. Nessa esteira a significativa renúncia do Papa Bento XVI, substituído pelo humanista Papa Francisco. Nos Estados Unidos da América do Norte o Barack Obama contra tudo e todos, reelege-se presidente em nome das reformas sociais.
A América Latina elegeu amplamente presidentes que enfrentam galhardamente os apetites do neoliberalismo, privilegiam o interesse nacional e redistribuem a riqueza.
O Brasil atual procura safar-se do jugo do dólar e do euro, procurando outros caminhos mais interessantes e vantajosos. O que é o Mercosul, Unasul, e Brics senão a tão sonhada independência econômica ? Temos o direito a ser dono do próprio nariz ou será que devemos colocar a nossa riqueza, produzida pelo trabalho, à disposição dos interesses do capital internacional? Não temos competência para gerir o próprio destino?
Aliás, as grandes indústrias não conseguem produzir competitivamente no mercado internacional por questões de cultura administrativa, dentre as quais a ausência de investimentos maciços na qualificação dos recursos humanos. A economia por si só não tem o condão de produzir lucros.
Como era de se esperar, a reação contrária às prioridades do governo da Republica apoia-se numa onda da classe média paulista, nem sempre consciente dos riscos sociais.
Ressurgiu a “guerra fria”, agora entre os partidos PT e PSDB, ambos inspirados na social democracia. Não comungam o socialismo, nem o comunismo. O PMDB e o PSDB caíram eleitoralmente em desgraça por não fazer a lição de casa, isto é, as reformas de interesse do povo. O PT Sofre retaliações ao pretender realiza-las.
Cabe relembrar que a democracia representativa assenta-se nos votos da classe média quase sempre identificada com os postulados da burguesia.
Nada mais natural pois que a marcha pelo Impeachment da presidente Dilma Rousseff reúna 82% de manifestantes da classe média, a maior parte receba salário aproximado R$ 8.000,00 mensais e todos eleitores do Aécio. O demais participantes pertencem à classe rica protagonista do “panelaço” da semana passada.
Anote-se que na contramarcha pela democracia e defesa da Petrobrás, convocada pelas entidades sindicais e estudantis, obviamente, aconteceu o contrário. A grande maioria era assalariada e de baixo poder aquisitivo.
Essa classe média prega a derrubada do governo central , com base nas denúncias de corrupção estampadas na primeira página da grande mídia. Mas, ignoram quais pessoas e ideologias vão ocupar o espaço vazio. Provavelmente uma centena de corruptos do Lava Jato e contas bancárias ilegais na Suíça, contrários à autodeterminação dos povos e a favor da subjugação ao capital colonizador internacional.
Não se enganem, quando a classe média comparece à marcha das elites, na verdade está agindo contra si própria, exatamente como aconteceu em Portugal, Espanha e inúmeros outros países. A austeridade não perdoou nem pobres, nem remediados.
Enfim, o Brasil em várias épocas históricas tentou realizar mudanças sociais, políticas e econômicas. Nunca conseguiu. Sempre surge uma reação contrária, condenando o brasileiro ao retrocesso perpétuo. Eis o perfil da eterna crise brasileira.