segunda-feira, 9 de março de 2015

Gilberto Sant´Anna - O choro amargo das ditaduras

O choro amargo  das ditaduras
Gilberto Sant´Anna
Não me permito esquecer  a violência da ditadura civil-militar de 1964.  Guardo solene compromisso com os  meus   colegas  e companheiros  universitários  que sentiram na pele ferro em brasa  das torturas. Muitos não resistiram e morreram.  Eram jovens lideranças    cujo crime  consistiu  em lutar  pelo retorno da  democracia surrupiada.  Não me canso de  expor esses traumas que trago comigo  desde a juventude.  Aliás, nada  disso é novidade para os que me acompanham nesta coluna. 
Pois bem, o  presidente da República João Goulart , o Jango,  um mês antes da deposição compareceu no Centro Acadêmico Onze de Agosto para dar posse   aos membros  da diretoria  recém-eleita.  O salão nobre da Fadusp  ouviu palavras  libertadoras   do jugo  das grandes potências.  O petróleo  é nosso. As refinarias particulares  também deveriam ser encampadas   porque  o produto  bruto  de nada vale.  Era preciso transformá-lo em gasolina, querosene e outros derivados, isto é, agregar  valor de mercado.  O governo pretendia ainda desenvolver as regiões norte e nordeste, descentralizar  a riqueza nacional para  dar  vida digna aos  irmãos daqueles sítios.   Propunha um sistema de saúde que atendesse os males dos pobres e uma educação que efetivamente  educasse. Nomeou reitor da Universidade de Brasília o   humanista  Darci Ribeiro.  Enfim, queria  fazer reformas profundas e necessárias para o bem estar da sociedade.
Por isso sofreu grossa  retaliação dos abastados,  com apoio dos  serviçais da classe média, cujo  único interesse  e preocupação  eram os lucros  de caixa.  A agitação  do capital selvagem   ganhou os quartéis e  o  apoio   dos defensores   da Tradição,  Família e Propriedade.  No mês de abril  do ano da graça de 1964 o presidente Goulart foi deposto pelos canhões  do retrocesso   político,  social e econômico.
Claro, Nem todos bons brasileiros   apoiaram Jango.  Uma  fatia da  “esquerda”  exigia reformas mais profundas.   Classificaram-no  ironicamente como  representante do setor progressista  da burguesia.
A cepa janguista  foi acusada  de corrupta e os aliados de  subversivos. E,  muitos estudantes e intelectuais não alinhados    acabaram também   nos porões da ditadura.
A União Nacional dos Estudantes (UNE)  resistiu quanto pode. Ainda no  governo  do  general Castelo Branco  a entidade máxima da representação estudantil  realizou  uma   reunião de presidentes de Centros Acadêmicos,  no restaurante universitário  “Calabouço”, na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro.   A sede oficial  da entidade  fora  incendiada  pelas forças de ocupação.   Lá fui eu plenipotenciário  representar o Onze de Agosto,   com direito a voz e voto.   A  comitiva   paulista acomodou-se   dentro de um fusca, com folga. Explica-se  a deserção  devido  o alto risco da empreitada.
O  Sr. Gazzaneo,  parente  de um dos nossos,  gentilmente nos hospedou.  A sogra do anfitrião, uma senhora italiana de idade avançada, desesperava-se .  Acudia:
-  O  Mussolini  destruiu  a minha juventude. Agora o fascismo  brasileiro  vai acabar  com a minha velhice! 
Cumprimos  a  tarefa com galhardia  e voltamos para São Paulo sem nenhuma ocorrência a lamentar.  Os anos se passaram. O Ato Institucional  nº 5 de 1968, radicalizou  a repressão contra  todos  os contrários  à ditadura . O medo tomou conta  das praças públicas.
Os filhos dos revolucionários  (a mídia  apelidou  o golpe contra a democracia de  Revolução de 1964) cresceram  e ingressaram nas universidades.  E, para desgosto dos pais, muitos participaram dos movimentos pela redemocratização do país.   Enfrentaram a repressão  e lutaram  bravamente.  Uns tantos  foram mortos por torturadores,  aqueles mesmos  aplaudidos pelos próprios pais das vítimas.  Os amigos e parentes  engrossaram o choro amargo dessas famílias.  Arrependeram-se. Era tarde demais.
Hoje  nos encontramos  em  2015.  As circunstâncias políticas assemelham-se  muito  ao de 1963, quando os  ricos e poderosos  chacoalharam a árvore da democracia  para   derrubar o governo Goulart.    
Os golpistas do agora  apostam na memória curta do povo.  Perderam a eleição  presidencial de 2014 e   pediram  a volta  dos militares e  da ditadura, como se  fosse  tudo muito natural.  Não encontraram eco na sociedade. Então emendaram  as artimanhas com o Impeachment  da presidenta. 
O   movimento “Fora Dilma”   financia os altos  custos  da agitação, porém  a liderança nunca mostra sua cara. Esconde a   ideologia  que pretendem impor ao povo brasileiro. Com certeza trazem na algibeira  a  austeridade (arrocho) da Ângela Merkel,   que  tanto faz  sofrer os europeus e o povo do   Euro.  E, nossas riquezas  serão entregues à especulação estrangeira, principalmente o petróleo do  pré-sal,  avaliado em  trilhões de dólares. 
Quem já assistiu esse filme vai pra rua no dia 13 de março de 2015  em defesa da democracia e da Petrobrás.  Ambas inalienáveis.
Os pais que participam da  atual conspiração sujeitam-se  aos  mesmos dissabores  de 1964. Derramarão  idênticas lágrimas,  se seus filhos  logo adiante também   participarem da resistência   contra a ditadura  concebida  em 2015 . Some-se à desgraça  o crescimento do radicalismo religioso de extrema direita,  em processo de ocupação  dos  postos e os  cargos públicos  eletivos mais   importantes  do país.  A barbárie chegando. Xô!
    
Se o pior acontecer, resta inspirar-me na   sogra do Sr. Gazzaneo. Direi  em alto e bom som que   em 1964 o fascismo destruiu  os meus sonhos  de jovem.   Espero que  em 2015  o fascismo  não acabe com a tranquilidade da minha velhice.

NOTA DO ARTICULISTA. Saúdo  neste 8 de março  o centenário de nascimento  de   Adelaide Fernandes de  Sant´Anna, falecida em 1987.   Publicou  dezenas de artigos nos periódicos  de Atibaia. Ensinou-me a redigir  os meus  primeiros escritos.                            (www.jcatibaia.com.br) – edição de 08-03-2015 -  

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