O choro amargo das ditaduras
Gilberto Sant´Anna
Não me permito esquecer a violência da ditadura civil-militar de 1964. Guardo solene compromisso com os meus colegas e companheiros universitários que sentiram na pele ferro em brasa das torturas. Muitos não resistiram e morreram. Eram jovens lideranças cujo crime consistiu em lutar pelo retorno da democracia surrupiada. Não me canso de expor esses traumas que trago comigo desde a juventude. Aliás, nada disso é novidade para os que me acompanham nesta coluna.
Pois bem, o presidente da República João Goulart , o Jango, um mês antes da deposição compareceu no Centro Acadêmico Onze de Agosto para dar posse aos membros da diretoria recém-eleita. O salão nobre da Fadusp ouviu palavras libertadoras do jugo das grandes potências. O petróleo é nosso. As refinarias particulares também deveriam ser encampadas porque o produto bruto de nada vale. Era preciso transformá-lo em gasolina, querosene e outros derivados, isto é, agregar valor de mercado. O governo pretendia ainda desenvolver as regiões norte e nordeste, descentralizar a riqueza nacional para dar vida digna aos irmãos daqueles sítios. Propunha um sistema de saúde que atendesse os males dos pobres e uma educação que efetivamente educasse. Nomeou reitor da Universidade de Brasília o humanista Darci Ribeiro. Enfim, queria fazer reformas profundas e necessárias para o bem estar da sociedade.
Por isso sofreu grossa retaliação dos abastados, com apoio dos serviçais da classe média, cujo único interesse e preocupação eram os lucros de caixa. A agitação do capital selvagem ganhou os quartéis e o apoio dos defensores da Tradição, Família e Propriedade. No mês de abril do ano da graça de 1964 o presidente Goulart foi deposto pelos canhões do retrocesso político, social e econômico.
Claro, Nem todos bons brasileiros apoiaram Jango. Uma fatia da “esquerda” exigia reformas mais profundas. Classificaram-no ironicamente como representante do setor progressista da burguesia.
A cepa janguista foi acusada de corrupta e os aliados de subversivos. E, muitos estudantes e intelectuais não alinhados acabaram também nos porões da ditadura.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) resistiu quanto pode. Ainda no governo do general Castelo Branco a entidade máxima da representação estudantil realizou uma reunião de presidentes de Centros Acadêmicos, no restaurante universitário “Calabouço”, na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. A sede oficial da entidade fora incendiada pelas forças de ocupação. Lá fui eu plenipotenciário representar o Onze de Agosto, com direito a voz e voto. A comitiva paulista acomodou-se dentro de um fusca, com folga. Explica-se a deserção devido o alto risco da empreitada.
O Sr. Gazzaneo, parente de um dos nossos, gentilmente nos hospedou. A sogra do anfitrião, uma senhora italiana de idade avançada, desesperava-se . Acudia:
- O Mussolini destruiu a minha juventude. Agora o fascismo brasileiro vai acabar com a minha velhice!
Cumprimos a tarefa com galhardia e voltamos para São Paulo sem nenhuma ocorrência a lamentar. Os anos se passaram. O Ato Institucional nº 5 de 1968, radicalizou a repressão contra todos os contrários à ditadura . O medo tomou conta das praças públicas.
Os filhos dos revolucionários (a mídia apelidou o golpe contra a democracia de Revolução de 1964) cresceram e ingressaram nas universidades. E, para desgosto dos pais, muitos participaram dos movimentos pela redemocratização do país. Enfrentaram a repressão e lutaram bravamente. Uns tantos foram mortos por torturadores, aqueles mesmos aplaudidos pelos próprios pais das vítimas. Os amigos e parentes engrossaram o choro amargo dessas famílias. Arrependeram-se. Era tarde demais.
Hoje nos encontramos em 2015. As circunstâncias políticas assemelham-se muito ao de 1963, quando os ricos e poderosos chacoalharam a árvore da democracia para derrubar o governo Goulart.
Os golpistas do agora apostam na memória curta do povo. Perderam a eleição presidencial de 2014 e pediram a volta dos militares e da ditadura, como se fosse tudo muito natural. Não encontraram eco na sociedade. Então emendaram as artimanhas com o Impeachment da presidenta.
O movimento “Fora Dilma” financia os altos custos da agitação, porém a liderança nunca mostra sua cara. Esconde a ideologia que pretendem impor ao povo brasileiro. Com certeza trazem na algibeira a austeridade (arrocho) da Ângela Merkel, que tanto faz sofrer os europeus e o povo do Euro. E, nossas riquezas serão entregues à especulação estrangeira, principalmente o petróleo do pré-sal, avaliado em trilhões de dólares.
Quem já assistiu esse filme vai pra rua no dia 13 de março de 2015 em defesa da democracia e da Petrobrás. Ambas inalienáveis.
Os pais que participam da atual conspiração sujeitam-se aos mesmos dissabores de 1964. Derramarão idênticas lágrimas, se seus filhos logo adiante também participarem da resistência contra a ditadura concebida em 2015 . Some-se à desgraça o crescimento do radicalismo religioso de extrema direita, em processo de ocupação dos postos e os cargos públicos eletivos mais importantes do país. A barbárie chegando. Xô!
Se o pior acontecer, resta inspirar-me na sogra do Sr. Gazzaneo. Direi em alto e bom som que em 1964 o fascismo destruiu os meus sonhos de jovem. Espero que em 2015 o fascismo não acabe com a tranquilidade da minha velhice.
NOTA DO ARTICULISTA. Saúdo neste 8 de março o centenário de nascimento de Adelaide Fernandes de Sant´Anna, falecida em 1987. Publicou dezenas de artigos nos periódicos de Atibaia. Ensinou-me a redigir os meus primeiros escritos. (www.jcatibaia.com.br) – edição de 08-03-2015 -
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